– Impressionante. – Ela sorriu. – Vou me
conformar com o sentido do paladar agora: estou morrendo de fome.
– Às suas ordens. – Cam puxou uma toalha da
mochila e a estendeu num pedaço de sombra embaixo de um carvalho. Quando ele
abriu a garrafa térmica, Luce pôde sentir o cheiro do café forte. Ela
geralmente não tomava café puro, mas não disse nada por enquanto Cam enchia a
caneca com gelo, derramava o café por cima e acrescentava a quantidade exata de
leite no topo. – Esqueci de trazer açúcar – disse ele.
– Não coloco açúcar. – Ela tomou um gole do
café com leite gelado, seu primeiro delicioso gole de cafeína proibida na Sword
& Cross a semana toda.
– Que sorte – disse Cam, mostrando o
restante do piquenique. Os olhos de Luce se arregalaram enquanto ela o
observava arrumando a comida: uma baguete toscada, um pequeno pedaço redondo de
queijo, um baldinho de cerâmica com azeitonas, uma tigela de ovos cozidos
recheados e duas maçãs verdes. Não parecia possível que Cam tivesse carregado
isso tudo dentro de sua mochila… ou que estivesse planejando comer a comida
toda sozinho.
– Onde arranjou tudo isso? – Luce
perguntou. Fingindo estar imersa na tarefa de partir um pedaço de pão, ela
continuou. – E com quem você estava planejando um piquenique antes de eu
aparecer?
– Antes de você aparecer? – Cam riu. – Mal
consigo me lembrar de minha vida sem graça antes de você.
Luce deu a ele um discreto olhar de
descrença só para ele saber que tinha achado o comentário incrivelmente brega…
e talvez um pouquinho charmoso. Ele se inclinou para trás sobre os cotovelos em
cima da toalha, seus tornozelos cruzados. Cam estava sentado de perna cruzadas
à sua frente, e quando se inclinou por cima dela para pegar a faca de queijo,
seu braço encostou no joelho dela, e ali ficou. Cam olhou para Luce como se
para perguntar, Tudo
bem fazer isso?
Como ela não afastou, ele continuou como
estava, pegando o pedaço da baguete de sua mão e usando a perna dela como mesa
enquanto colocava um triângulo de queijo no pão. Ela gostava da sensação do
peso dele nela e, num calor daqueles, isso significava algo importante.
– Vou começar com a pergunta mais fácil –
disse ele, finalmente se sentando de volta. – Ajudo na cozinha alguns dias por
semana. Isso é parte do meu acordo de readmissão na Sword & Cross. Tenho
que “dar algo em troca”. – Ele revirou os olhos. – Mas não me incomodo em
ajudar. Acho que gosto do calor. Quero dizer, se não contar as queimaduras. –
Ele estendeu os pulsos virados para cima para mostrar dúzias de pequenas
cicatrizes em seus antebraços. – Ossos do oficio – disse casualmente. – Mas
posso atacar a dispensa.
Luce não se segurou e passou os dedos nas
cicatrizes, os diversos inchaços sumindo em sua pele avermelhada. Antes de ela
poder se sentir envergonhada pela atitude ousada e afastar as mãos, Cam segurou
a mão com força.
Luce ficou olhando seus dedos envoltos
pelos dele. Ela não tinha percebido antes como o tom de pele dos dois era
diferente. Naquela paisagem sulista de adoradores do sol, a palidez de Luce
sempre a deixara envergonhada. A pele de Cam era tão impressionante, tão
notável, quase dourada – e agora ela percebia que talvez ele achasse a mesma
coisa de sua pele cor de marfim. Seus ombros estremeceram e ela sentiu meio
tonta.
– Está com frio? – ele perguntou e voz
baixa.
Quando Luce o olhou nos olhos, entendeu que
ele sabia que ela não estava com frio.
Ele se aproximou mais e baixou a voz até um
sussurro:
– Acho que agora vai querer que eu admita
que a vi cruzando o pátio pela janela e enfiei tudo isso na mochila na
esperança de convencer você a matar aula comigo, certo?
Esse era um bom momento para olhar para o
gelo em seu copo, se ele já não tivesse derretido no calor rançoso de setembro.
– E você tinha todo esse esquema para um
piquenique romântico – completou ela. – Nesse cemitério cenográfico?
– Ei. – Cam passou um dedo pelo lábio
inferior dela. – É você que está falando em romance.
Luce se afastou. Ele tinha razão – ela é
que estava sendo a presunçosa… pela segunda vez no dia. Podia sentir suas
bochechas ardendo enquanto tentava não pensar
em Daniel.
– Estou brincando – disse Cam, balançando a
cabeça ao notar o olhar assustado no rosto dela. – Como se isso não fosse
obvio. – Ele olhou para cima em direção ao vulto de um pássaro que circulava um
grande canhão de mármore. – sei que não é nenhum Éden aqui – disse, atirando
uma maçã para Luce – mas finja que estamos numa musica do The Smiths. E a meu
favor, não é como se tivéssemos muitas opções nessa escola.
Isso não era nem o começo.
– Na minha opinião – disse Cam, deitando-se
na toalha – o local é insignificante.
Luce lançou um olhar descrente a ele. Ela
também não queria que ele tivesse se afastado, mas era tímida demais para se
aproximar enquanto ele estava apoiado de lado.
– Onde eu cresci… – uma pausa – as coisas
não eram tão diferentes assim do estilo de vida prisioneiro da Sword &
Cross. A parte boa disso é que sou oficialmente imune aos meus arredores.
– Até parece. – Luce balançou a cabeça. –
Se eu tivesse agora uma passagem de avião para a Califórnia, você não ficaria
totalmente louco para dar o fora daqui?
– Hum… ficaria levemente indiferente –
disse Cam, jogando a metade de um ovo na boca.
– Não acredito em você. – Luce deu um
empurrão de leve nele.
– Então deve ter tido uma infância feliz.
Luce mordeu a casca verde da maçã e lambeu
o sumo que escorreu pelos seus dedos. Folheando um catálogo mental de sua vida,
lembrou-se de todas as reprimendas dos seus pais, visitas a médicos e mudanças
de escola, com as sombras negras encobrindo tudo como uma capa. Não, ela não
diria que teve uma infância feliz.
Mas, Cam não conseguiria nem enxergar alguma esperança no horizonte além da
Sword & Cross, então talvez a dele tivesse sido pior.
Houve um farfalhar perto dos pés deles e
Luce se encolheu como uma bola quando uma enorme cobra verde e amarela deslizou
ali por perto. Tentando não se aproximar demais, ela ficou de joelhos e olhou-a
com atenção. Não era apenas uma cobra, mas uma cobra trocando de pele. Uma
camada translúcida estava saindo atrás de seu rabo. Havia cobras em toda a
Georgia, mas ela nunca vira uma mudar de pele.
– Não grite – disse Cam, descansando uma
das mãos no joelho de Luce. Seu toque a fez se sentir mais segura. – Ela vai
embora se a deixarmos em paz.
Com sorte, a cobra foi embora bem rápido.
Luce queria muito gritar. Ela sempre tinha odiado e sentido medo de cobras.
Elas eram simplesmente muito escorregadias e cheias de escamas e…
– Eca. – Ela estremeceu, mas não conseguiu
tirar os olhos da cobra até esta ter desaparecido em meio à grama crescida.
Cam riu enquanto pegava a pele antiga e a
colocava na mão de Luce. Ainda parecia estar viva, como a pele úmida de um
bulbo de alho fresco que seu pai puxara uma vez de sua horta. Mas tinha saído
de uma cobra. Nojento. Ela jogou a escama de volta no chão e limpou as mãos no
jeans.
– Qual é, não achou bonitinho?
– A minha tremedeira me denunciou, é? –
Luce já estava se sentindo meio envergonhada pelo seu comportamento infantil.
– E quanto à sua fé no poder da
transformação? – Cam perguntou, tocando com os dedos a pele. – É para isso que
estamos aqui, afinal.
Cam tinha tirado os óculos de sol. Seus
olhos cor de esmeralda pareciam tão confiantes. Ela estava naquela pose
sobrenatural imóvel de novo, esperando por sua resposta.
– Estou começando a achar você meio
estranho – ela disse finalmente, abrindo um sorrisinho.
– Ah, e imagine só quanto mais você
descobrir sobre mim – rebateu ele, se aproximando mais. Mais perto do que
quando a cobra apareceu. Mais de perto do que ela estava esperando. Cam
estendeu a mão e lentamente passou os dedos pelo cabelo dela. Luce ficou tensa.
Cam era lindo e intrigante. O que ela não
conseguia entender era como, quando ela devia estar numa pilha de nervos – como
naquele exato momento –, ela ainda se sentia de alguma maneira confortável.
Queria estar bem onde estava. Ela não conseguia tirar os olhos da boca de Cam,
que era cheia e rosada e cada vez mais próxima, fazendo-a se sentir tonta. Seus
ombros se tocaram e ela sentiu um estranho arrepio bem dentro do peito. Ela
observou enquanto Cam abria a boca. Então ela fechou os olhos. […]
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Sword & Cross –
Piquenique de Cam e Luce no cemitério.