domingo, 5 de agosto de 2012


– Impressionante. – Ela sorriu. – Vou me conformar com o sentido do paladar agora: estou morrendo de fome.
– Às suas ordens. – Cam puxou uma toalha da mochila e a estendeu num pedaço de sombra embaixo de um carvalho. Quando ele abriu a garrafa térmica, Luce pôde sentir o cheiro do café forte. Ela geralmente não tomava café puro, mas não disse nada por enquanto Cam enchia a caneca com gelo, derramava o café por cima e acrescentava a quantidade exata de leite no topo. – Esqueci de trazer açúcar – disse ele.
– Não coloco açúcar. – Ela tomou um gole do café com leite gelado, seu primeiro delicioso gole de cafeína proibida na Sword & Cross a semana toda.
– Que sorte – disse Cam, mostrando o restante do piquenique. Os olhos de Luce se arregalaram enquanto ela o observava arrumando a comida: uma baguete toscada, um pequeno pedaço redondo de queijo, um baldinho de cerâmica com azeitonas, uma tigela de ovos cozidos recheados e duas maçãs verdes. Não parecia possível que Cam tivesse carregado isso tudo dentro de sua mochila… ou que estivesse planejando comer a comida toda sozinho.
– Onde arranjou tudo isso? – Luce perguntou. Fingindo estar imersa na tarefa de partir um pedaço de pão, ela continuou. – E com quem você estava planejando um piquenique antes de eu aparecer?
– Antes de você aparecer? – Cam riu. – Mal consigo me lembrar de minha vida sem graça antes de você.
Luce deu a ele um discreto olhar de descrença só para ele saber que tinha achado o comentário incrivelmente brega… e talvez um pouquinho charmoso. Ele se inclinou para trás sobre os cotovelos em cima da toalha, seus tornozelos cruzados. Cam estava sentado de perna cruzadas à sua frente, e quando se inclinou por cima dela para pegar a faca de queijo, seu braço encostou no joelho dela, e ali ficou. Cam olhou para Luce como se para perguntar, Tudo bem fazer isso?
Como ela não afastou, ele continuou como estava, pegando o pedaço da baguete de sua mão e usando a perna dela como mesa enquanto colocava um triângulo de queijo no pão. Ela gostava da sensação do peso dele nela e, num calor daqueles, isso significava algo importante.
– Vou começar com a pergunta mais fácil – disse ele, finalmente se sentando de volta. – Ajudo na cozinha alguns dias por semana. Isso é parte do meu acordo de readmissão na Sword & Cross. Tenho que “dar algo em troca”. – Ele revirou os olhos. – Mas não me incomodo em ajudar. Acho que gosto do calor. Quero dizer, se não contar as queimaduras. – Ele estendeu os pulsos virados para cima para mostrar dúzias de pequenas cicatrizes em seus antebraços. – Ossos do oficio – disse casualmente. – Mas posso atacar a dispensa.
Luce não se segurou e passou os dedos nas cicatrizes, os diversos inchaços sumindo em sua pele avermelhada. Antes de ela poder se sentir envergonhada pela atitude ousada e afastar as mãos, Cam segurou a mão com força.
Luce ficou olhando seus dedos envoltos pelos dele. Ela não tinha percebido antes como o tom de pele dos dois era diferente. Naquela paisagem sulista de adoradores do sol, a palidez de Luce sempre a deixara envergonhada. A pele de Cam era tão impressionante, tão notável, quase dourada – e agora ela percebia que talvez ele achasse a mesma coisa de sua pele cor de marfim. Seus ombros estremeceram e ela sentiu meio tonta.
– Está com frio? – ele perguntou e voz baixa.
Quando Luce o olhou nos olhos, entendeu que ele sabia que ela não estava com frio.
Ele se aproximou mais e baixou a voz até um sussurro:
– Acho que agora vai querer que eu admita que a vi cruzando o pátio pela janela e enfiei tudo isso na mochila na esperança de convencer você a matar aula comigo, certo?
Esse era um bom momento para olhar para o gelo em seu copo, se ele já não tivesse derretido no calor rançoso de setembro.
– E você tinha todo esse esquema para um piquenique romântico – completou ela. – Nesse cemitério cenográfico?
– Ei. – Cam passou um dedo pelo lábio inferior dela. – É você que está falando em romance.
Luce se afastou. Ele tinha razão – ela é que estava sendo a presunçosa… pela segunda vez no dia. Podia sentir suas bochechas ardendo enquanto tentava não pensar em Daniel.
– Estou brincando – disse Cam, balançando a cabeça ao notar o olhar assustado no rosto dela. – Como se isso não fosse obvio. – Ele olhou para cima em direção ao vulto de um pássaro que circulava um grande canhão de mármore. – sei que não é nenhum Éden aqui – disse, atirando uma maçã para Luce – mas finja que estamos numa musica do The Smiths. E a meu favor, não é como se tivéssemos muitas opções nessa escola.
Isso não era nem o começo.
– Na minha opinião – disse Cam, deitando-se na toalha – o local é insignificante.
Luce lançou um olhar descrente a ele. Ela também não queria que ele tivesse se afastado, mas era tímida demais para se aproximar enquanto ele estava apoiado de lado.
– Onde eu cresci… – uma pausa – as coisas não eram tão diferentes assim do estilo de vida prisioneiro da Sword & Cross. A parte boa disso é que sou oficialmente imune aos meus arredores.
– Até parece. – Luce balançou a cabeça. – Se eu tivesse agora uma passagem de avião para a Califórnia, você não ficaria totalmente louco para dar o fora daqui?
– Hum… ficaria levemente indiferente – disse Cam, jogando a metade de um ovo na boca.
– Não acredito em você. – Luce deu um empurrão de leve nele.
– Então deve ter tido uma infância feliz.
Luce mordeu a casca verde da maçã e lambeu o sumo que escorreu pelos seus dedos. Folheando um catálogo mental de sua vida, lembrou-se de todas as reprimendas dos seus pais, visitas a médicos e mudanças de escola, com as sombras negras encobrindo tudo como uma capa. Não, ela não diria que teve uma infância feliz. Mas, Cam não conseguiria nem enxergar alguma esperança no horizonte além da Sword & Cross, então talvez a dele tivesse sido pior.
Houve um farfalhar perto dos pés deles e Luce se encolheu como uma bola quando uma enorme cobra verde e amarela deslizou ali por perto. Tentando não se aproximar demais, ela ficou de joelhos e olhou-a com atenção. Não era apenas uma cobra, mas uma cobra trocando de pele. Uma camada translúcida estava saindo atrás de seu rabo. Havia cobras em toda a Georgia, mas ela nunca vira uma mudar de pele.
– Não grite – disse Cam, descansando uma das mãos no joelho de Luce. Seu toque a fez se sentir mais segura. – Ela vai embora se a deixarmos em paz.
Com sorte, a cobra foi embora bem rápido. Luce queria muito gritar. Ela sempre tinha odiado e sentido medo de cobras. Elas eram simplesmente muito escorregadias e cheias de escamas e…
– Eca. – Ela estremeceu, mas não conseguiu tirar os olhos da cobra até esta ter desaparecido em meio à grama crescida.
Cam riu enquanto pegava a pele antiga e a colocava na mão de Luce. Ainda parecia estar viva, como a pele úmida de um bulbo de alho fresco que seu pai puxara uma vez de sua horta. Mas tinha saído de uma cobra. Nojento. Ela jogou a escama de volta no chão e limpou as mãos no jeans.
– Qual é, não achou bonitinho?
– A minha tremedeira me denunciou, é? – Luce já estava se sentindo meio envergonhada pelo seu comportamento infantil.
– E quanto à sua fé no poder da transformação? – Cam perguntou, tocando com os dedos a pele. – É para isso que estamos aqui, afinal.
Cam tinha tirado os óculos de sol. Seus olhos cor de esmeralda pareciam tão confiantes. Ela estava naquela pose sobrenatural imóvel de novo, esperando por sua resposta.
– Estou começando a achar você meio estranho – ela disse finalmente, abrindo um sorrisinho.
– Ah, e imagine só quanto mais você descobrir sobre mim – rebateu ele, se aproximando mais. Mais perto do que quando a cobra apareceu. Mais de perto do que ela estava esperando. Cam estendeu a mão e lentamente passou os dedos pelo cabelo dela. Luce ficou tensa.
Cam era lindo e intrigante. O que ela não conseguia entender era como, quando ela devia estar numa pilha de nervos – como naquele exato momento –, ela ainda se sentia de alguma maneira confortável. Queria estar bem onde estava. Ela não conseguia tirar os olhos da boca de Cam, que era cheia e rosada e cada vez mais próxima, fazendo-a se sentir tonta. Seus ombros se tocaram e ela sentiu um estranho arrepio bem dentro do peito. Ela observou enquanto Cam abria a boca. Então ela fechou os olhos. […]
{Fallen, páginas 140 – 144}
Sword & Cross – Piquenique de Cam e Luce no cemitério.

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